No último dia 24 de novembro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) julgou o caso Gomes Lund e outros e condenou o Brasil pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas durante a Guerrilha do Araguaia (1967-1974). Dentre as várias determinações da corte, as mais relevantes são a obrigação “de investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis e de determinar o paradeiro das vítimas” e o dever de possibilitar “o acesso, a sistematização e publicação de documentos em poder do Estado” sobre a guerrilha. Com isso, o Brasil é responsabilizado internacionalmente pela violação de direitos humanos e garantias judiciais nesse conflito ocorrido na ditadura militar.

A decisão da corte internacional era esperada dada a jurisprudência da CIDH, que já havia condenado o Peru em caso semelhante. Ainda assim, a condenação divide a comunidade acadêmica, provocando discussões de direito internacional e direito constitucional.

Boa parte da polêmica trazida à tona se deve ao fato de a decisão da CIDH entrar em conflito com o julgamento da ADPF 153 no STF. O STF considerou constitucional a interpretação de que Lei de Anistia implicou um perdão amplo, geral e irrestrito, condição sem a qual a democracia não poderia ter sido reestabelecida. A CIDH compreendeu essa visão como um obstáculo para a investigação e punição de violações a direitos inderrogáveis do ponto de vista do direito internacional dos direitos humanos.

Marcelo Neves, professor associado do DES e conselheiro do CNJ vê na situação uma questão de transconstitucionalismo, tese que defende para explicar o entrelaçamento transversal entre diferentes ordens jurídicas que tratam dos mesmos problemas constitucionais, sem uma a noção de hierarquia. “Em primeiro lugar”, defende o professor, “porque se trata de uma decisão de um problema constitucional por uma corte internacional. Em segundo lugar, porque essa decisão terá impacto no âmbito do constitucionalismo estatal. Em terceiro lugar, porque exigirá que se desenvolva um diálogo transconstitucional, com aprendizado recíproco entre as ordens envolvidas”.

O prof. André de Carvalho Ramos (turma 161) concorda e aponta perda de potencial de diálogo entre as duas instâncias judiciárias. “Por exemplo, apesar da ação perante a Corte de San José ter sido proposta em 2009, não houve, perante o STF, nenhuma decisão de sobrestamento da ação até a decisão final. Também não foi muito claro nos votos do STF o reconhecimento da necessidade do Brasil seguir a interpretação da CIDH”.

Já o professor titular de direito constitucional Elival da Silva Ramos (turma 150), recém-nomeado procurador-geral do Estado, tem uma visão diferente. “O STF interpreta a constitucionalidade da Lei de Anistia e sua adequação a atos internacionais que vigoram no Brasil de uma maneira autônoma em relação à Corte Interamericana. O Supremo define com competência interna, enquanto que a CIDH define no plano das obrigações internacionais do Estado brasileiro”. Segundo o professor, embora o direito interno e o direito internacional se integrem por atos dos Estados, mantêm “certa autonomia”.

O coordenador do Observatório do NEI e mestrando do DIN Jefferson Nascimento (turma 174), também vê dois âmbitos diferentes e explica o funcionamento da corte internacional. “A Constituição do Brasil é mero elemento de fato para o julgamento da CIDH. O Brasil é condenado porque ele violou um artigo da convenção, que ele soberanamente aceitou se vincular”.

O que mais divide os acadêmicos, no entanto, é a aplicação da decisão da corte internacional. O prof. Elival duvida da efetividade do julgamento da CIDH, “A jurisdição interna tem instrumentos mais contundentes. Se uma autoridade pública brasileira descumpre uma ordem do Supremo, pode haver crime de responsabilidade ou de desobediência. No caso dos órgãos internacionais não há um mecanismo de coerção. A sanção é muito mais moral e política”.

Jefferson Nascimento, por outro lado, acredita na coatividade da decisão, porque eventual descumprimento sujeitaria o Brasil às sanções da Assembleia Geral da OEA: “Os países geralmente obedecem. Há países com um histórico muito pior que o do Brasil, que ameaçaram, mas cumpriram no final”.

Ele acrescenta que a decisão simboliza um novo momento para o Brasil no sistema interamericano de direitos humanos, “Os judiciários internos têm de respeitar os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e harmonizar suas decisões a eles, de acordo com amplo entendimento no âmbito internacional”. O prof. André de Carvalho parece concordar, considerando a decisão como “importante passo para o fim da era da ambiguidade em que o Brasil se encontra: ratifica tratados de direitos humanos mas busca interpretá-los nacionalmente”.

Já o prof. Marcelo Neves vê a situação como não definida: “É ainda uma questão em aberto, se vão prevalecer o internacionalismo e o estatismo cegos, ou se será trilhado o caminho da comunicação transconstitucional”.

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